Tempo fazia que ele andava com o coração nas mãos, a vagar de um lado para o outro a procurar por alguma coisa, algo que lhe fizesse enfim sublimar toda aquela condensação de dores remotas... dores que não lhe cansavam de atormentar os sentidos. Saiu de casa naquele dia sem grandes propósitos, encontrar amigos e sorrir eram os traçados planos. E menos ou mais os fatos assim aconteceram. Abraços mornos, líquidos sorridentes... ah! e a lua? Que ele nem poderia saber como viria iluminá-lo.
A realidade lhe parecia suspensa por algum tipo de bondade da vida, ela lhe sorria incansavelmente... mas, já havia a duvida de quem estava sorrindo pra quem. Os pés lhe davam a incrível sensação de flutuar loucamente sobre a sua própria vida: agente e platéia dela em um só instante. Seu coração encontrara, enfim, um momento de suspensão, de calmaria... e como ele poderia estar ali para todo o sempre. Fazer morada, juntar gravetos, reabilitar seu organismo.
O mundo naqueles instantes não passava de um algodão doce: uma lembrança morna da infância. Um sorriso roubado, escancarado em algum palco medíocre de circo, uma tabuada executada com perfeição, e até mesmo aquela dor sentida após a queda... mas aquela era uma queda lúdica. As cicatrizes hoje em seus joelhos são motivos de orgulho e não de paranóia.
Ele podia em qualquer lugar estar, mas o universo fez com que ali estivesse. E a sensação era de satisfação, uma vez que mesmo estando na terra, consegui submergir, adentrar na bolha desordenada e inebriante da felicidade. Por que não alguém para dividir esse pulsar? Um segundo corpo onde o sopro dessas palavras pudessem também fazer morada?
Ele fulgurava em tons de amarelo e encarnado diante da luz lunar e escondia um segredo no seu cenho e curvas risonhas de canto de boca. Fazia movimentos rápidos e curtos como se quisesse libertar algumas concordâncias, mas parava na levitação de nossos pés. E eu sustentava isso derramando doce da boca, lacrimejando caramelo e pincelando com as pálpebras, num movimento longo e lento – como se para concordar com os curtos e rápidos dele.
Fomos embora com a certeza de que outros dias viriam para sustentar tais momentos indeléveis. Como se registrássemos para uma fotografia que seria guardada num álbum de boas fotos, que puiriam com o tempo e formariam manchas amareladas e expressivas. Beberíamos dias de por vir, novos líquidos sorridentes entre amigos. Despropositadamente: num dia de domingo, num chá, num filme antigo, numa praça, num novo encontro, ao telefone ou por carta, num café e talvez muito por acaso ou não por acaso teríamos um momento revival, de transcendência mútua. Mesmo com os constrangimentos. Ele falaria do conforto de estar entre meus abraços duradouros e de minha fragilidade contra o mundo. E eu cairia num tempo sem medidas de permutas filosóficas. Falaríamos sobre o tempo e de como não ser absoluto, de como as noites despertavam e os dias nunca nasciam iguais. Sobre a cor azul e suas demasiadas formas interpretativas. E como isso estaria eternizado! Como fazer morada disso? Ele ia se despedir logo depois de um conhecido silêncio e voltaria de novo com seu segredo secreto. E num movimento de cadeia, os tempos formariam ciclos por através de vários momentos. Os ponteiros girariam grandes e volumosos círculos, entre vários ciclos, entre várias outras luas e até mesmo obscurecidos pelas nuvens pesadas e azul-acinzentadas de um dia de chuva, ou sob um sol de domingo. E eu me atrasaria nesse tempo enquanto ele se perdia entre passado e futuro, já que não conseguia coordenar o presente. E vagava em divagações... vagava entre ondas gorgolejantes de sofrimento e de não anunciação. Marés carregariam consigo o encanto das formações dos desenhos da areia, e das pedras, e da espuma que secava com o vento ‘briseiro’ de cada manhã litorânea.
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